26.5.10

A história das camisolas

Por altura do ano de 1947 ou 1948, iniciava-se o futebol em Mourisca do Vouga debaixo de uma estrutura associativa, que em 1949 conheceria o nome de União Desportiva Mourisquense. Pouco tempo mais tarde teria estatutos, orgãos sociais, eleições e toda a papelada visada pela “Antiga Senhora”. Enfim já era clube - na verdadeira acepção da palavra.
O Futebol ía-se jogando na terra desde os anos 20, de forma não sistemática em jogos e torneios, sempre fora da alçada federativa. Era comum, organizar-se uma equipa com 3 a 4 semanas de treino e irem em excursão domingueira (numa camioneta de aluguer) jogar a outras paragens, numa base de muita merenda, tinto e reciprocidade.
Como todas as colectividades de bairro, a coisa não era fácil. Tal como hoje! Viviam-se tempos do “pós-guerra”, de miséria crescente, de muita emigração e iam valendo as “criações e novidades” do fértil Vale do Vouga para matar a fome aos que teimavam em ficar por cá. Analfabetismo, alcoolismo, bosta de vaca na estrada e miúdos ranhosos - como em todo o lado. A caracterização sócio-económica da Mourisca não diferia do resto do Portugal (salvo Lisboa), mas a honra era grande !!
Formada a equipa (sempre) com adeptos bastantes (não há equipa sem adeptos), lá se foram fazendo uns jogos-treino, num local muito próximo de onde são hoje as “ruínas” da FAMEL (jogos em casa) e um pouco por todo o lado entre Coimbra e Vale de Cambra.
Formado o “team” faltavam os equipamentos.... Era uma “grande gaita” comprar equipamentos !!!! Onde, como e sobretudo - com que dinheiro ??
Havia três pessoas no topo da pirâmide do clube e claro na linha da frente desta história. Pessoas ligadas umbilicalmente aos momentos marcantes da terra e dinamizadoras de tudo que contivesse uma matriz social. Um clube de futebol na década de 40 é manifestamente mais que uma IPSS no Sec. XXI. O grande Zuzu (anti-fascista dos 7 costados, folião, amigo do seu amigo e tratado pelos miúdos por Sr. Coelho), Dinis Saraiva (encenador, escritor, organizador de excursões, homem muito letrado para a época e respeitado por gentes do Mondego ao Douro) e Vicente de Mello (fundador do jornal “A Bola”, Mourisquense de gema mas radicado na capital do império, ligado às esferas do futebol e à noite boémia lisboeta, mas sua a paixão verdadeira era a Mourisca) constituíam o Triunvirato do Mourisquense.
Zuzu assumia aquilo que hoje cabe a um director desportivo, Dinis Saraiva desembrulhava-se das licenças, inscrições, estatutos, deslocações e Vicente de Mello aturava estes dois ao telefone (ou por carta) e quando o “deve” e o “haver” não se equilibravam sobrava para a carteira do Vicente.

Situação de Pânico

Com o clube formalmente organizado (como nunca antes) e com jogo marcado de estreia a poucos dias de se realizar, as gentes da Mourisca não tinham equipamentos para se apresentarem ao jogo. O tempo era pouco, o dinheiro menos que pouco e o pânico antes de “subir o pano” estava instalado na Vila. Solução: telefonar com urgência ao Vicente de Lisboa.

Vai daí e imagina-se o Zuzu num diálogo (hardcore) ao telefone com o seu amigo Vicente :
- Oh pá !!! Tu "desenmerda-te"! Arranja os equipamentos que prometes-te arranjar !! A malta aqui come-te vivo !!! Tens pouco tempo !! Desenrasca-te !!!!
- Vou ver o que consigo fazer - deve ter dito Vicente de Mello.

A “estrutura gramatical” do diálogo não deve ter sido bem assim, mas a alma destes Mourisquenses jamais seria beliscada neste blogue. Com mais gíria e calão pelo meio certamente, mas reza a história que alguns dias depois chegaram os equipamentos por Caminho de Ferro à Estação de Mourisca do Vouga. Remetente: Amigo Vicente de Lisboa.
Uma vez aberta a caixa, todos ficaram boquiabertos com o luxo dos mesmos. Camisola, calção, meias e botas de futebol para todos! Estava então o problema principal (bem) resolvido o e criado um problema acessório !!!
É que os equipamentos tinham sido "carinhosamente desviados" da “Associação de Futebol de Lisboa” directamente (e apressadamente) para Santa Apolónia e continham um corvos na manga/ombro, bem como um simbolo com uma letras “L I S B O A” no peito. Havia que encontrar “costureiras”e inventar (rapidamente) um símbolo para a União Desportiva Mourisquense !!!!
Arrancaram-se os “corvos”, desenhou-se “à pressa” um símbolo para tapar o “alfacinha” e aí estão as camisolas do Mourisquense ... a bombar !!!
Consta que no fim-de-semana seguinte a seleção da Associação de Futebol de Lisboa, perdeu por falta de comparência um jogo com a sua congénere de Setubal. Porque seria ??
Para o futuro, ficaram as cores da cidade de Lisboa nas nossas camisolas, que verdade seja dita nunca ninguém ousou honrar com tanta “gana”. A imagem de Lisboa (finalmente) saía assim glorificada e claro Mourisquense Forever.

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